31.12.05

(Se... )

(Despedida de Gabriel Garcia Marquez,lúcido e consciente ,nos seus últimos dias de vida ,vítima de um câncer linfático)

"Se, por um instante ,Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida,possivelmente não diria tudo o que penso,mas ,certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas,não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco,sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente , me jogaria de bruços no solo,deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!... Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes- te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança,lhe daria asas,mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendí com vocês, os homens... Aprendí que todo mundo quer viver no cimo da montanha,sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendí que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo do pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendí que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente não poderão servir muito porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo "

GABRIEL GARCIA MARQUEZ

29.12.05

(NÃO SEI QUEM SOU)

( António Ramos Rosa )


Porque não soube merecer


Porque não soube merecer a glória, a mais suave
de me deitar a teu lado
e que o sangue a palavra
abolisse a diferença entre o meu corpo e a minha voz
porque te perdi
não sei quem sou

(De mágoa em mágoa)

De mágoa em mágoa...fui-me oferecendo à dor...
agora já não há nada a fazer.
Vou.
Continuo...

"com o peso do caminho que se fez pra trás"...

Desisto.


"EU QUERO SER O TEU OLHAR"

28.12.05

(E.s.s.ê.n.c.i.a.s.)

(Simplicidade... meu amor!)


















O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

(Manuel Bandeira)

18.12.05

(Abraço-te como se fosses meu... sente!)





Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.



(Eugénio de Andrade)

14.12.05

(Caminho)

(Com a magnífica eternidade dos diamantes... Eugénio de Andrade...SEMPRE!)



Ao desejo, à
sombra aguda
do desejo, eu me
abandono.
Meu ramo de coral,
meu areal, meu
barco de oiro, eu
me abandono.
Minha pedra de orvalho,

meu amor, meu punhal,
eu me abandono.
Minha lua queimada.

violada, colhe-me,
recolhe-me: eu me
abandono.

12.12.05

(Ao espelho...)

Quando se esgotam matogse es odnauQ
as linhas das mãos soãm sad sahnil sa
que apertam as nossas sasson sa matrepa euq
fazemos das estrelas salertse sad somezaf
o papel dos nossos sonhos sohnos sosson sod lepap o
e tomamos para nós són arap somamot e
a amargura dos lábios soibál sod arugrama a
que se apertam por falta de beijos sojieb ed atlaf rop matrepa es euq
nascem flores serolf mecsan
que nos cansam os olhos sohlo so masnac son euq
com a vida que insistem em trazer rezart me metsisni euq adiv a moc
cantam pássaros sorassáp matnac
que já não incendeiam maiednecni oãn áj ueq
mais que as cinzas saznic sa euq siam
dos cigarros que já fumámos somamuf áj euq sorragic sod
as árvores serovrá sa
só cheiram ás madrugadas de insónia ainósni ed sadagurdam sá mariehc ós
até os rios soir so éta
se esquecem do lugar da foz zof ad ragul od meceuqse es
estamos somatse
e não somos somos oãn e
só ós

(escrito por ocasião da morte de Eugénio de Andrade)

7.12.05

(Poderei não conhecer remorso?)

De todas as palavras, escolho estas... e de novo me aproprio...

(Eugénio de Andrade )

Nas ervas

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar
os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrivel
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho - a glande leve.




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