18.10.06

(O que não te digo)


Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
(Miguel Torga)

13.10.06

A recusa...



Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
(Maria Teresa Horta)

11.10.06

Evadir-me, esquecer-me



Evadir-me, esquecer-me


Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

9.10.06

Cansei...


O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço - Não disto nem daquilo, - Nem sequer de tudo ou de nada: - Cansaço assim mesmo, ele mesmo, - Cansaço. - A subtileza das sensações inúteis, - As paixões violentas por coisa nenhuma, - Os amores intensos por o suposto alguém. - Essas coisas todas - Essas e o que faz falta nelas eternamente -; - Tudo isso faz um cansaço, - Este cansaço, - Cansaço. - Há sem dúvida quem ame o infinito, - Há sem dúvida quem deseje o impossível, - Há sem dúvida quem não queira nada -Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: - Porque eu amo infinitamente o finito, - Porque eu desejo impossivelmente o possível, - Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, - Ou até se não puder ser... - E o resultado? - Para eles a vida vivida ou sonhada, - Para eles o sonho sonhado ou vivido, - Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... - Para mim só um grande, um profundo, - E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, - Um supremíssimo cansaço. - Íssimo, íssimo. íssimo, - Cansaço...
Álvaro de Campos

7.10.06



Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...
(Miguel Torga)

4.10.06

DESEJO



Desejo

É neste ponto
das tuas coxas
que o meu pescoço
implora a forca

Mas dás-lhe o trono
da luz da sombra
num sorvedouro
de rosas roxas

Agreste gosto
de húmida polpa
o que dissolvo
dentro da boca

Eis num renovo
mágica força
rei me coroo
em tuas coxas

(palavras e ilustração de António Sem. Bem hajas, J.A.M!!!)