28.12.06



(Alberto Caeiro )
XXIX - Nem Sempre Sou Igual
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...

23.11.06



Esperemos
Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
Pablo Neruda (Últimos Poemas)

18.10.06

(O que não te digo)


Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
(Miguel Torga)

13.10.06

A recusa...



Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
(Maria Teresa Horta)

11.10.06

Evadir-me, esquecer-me



Evadir-me, esquecer-me


Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

9.10.06

Cansei...


O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço - Não disto nem daquilo, - Nem sequer de tudo ou de nada: - Cansaço assim mesmo, ele mesmo, - Cansaço. - A subtileza das sensações inúteis, - As paixões violentas por coisa nenhuma, - Os amores intensos por o suposto alguém. - Essas coisas todas - Essas e o que faz falta nelas eternamente -; - Tudo isso faz um cansaço, - Este cansaço, - Cansaço. - Há sem dúvida quem ame o infinito, - Há sem dúvida quem deseje o impossível, - Há sem dúvida quem não queira nada -Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: - Porque eu amo infinitamente o finito, - Porque eu desejo impossivelmente o possível, - Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, - Ou até se não puder ser... - E o resultado? - Para eles a vida vivida ou sonhada, - Para eles o sonho sonhado ou vivido, - Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... - Para mim só um grande, um profundo, - E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, - Um supremíssimo cansaço. - Íssimo, íssimo. íssimo, - Cansaço...
Álvaro de Campos

7.10.06



Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...
(Miguel Torga)

4.10.06

DESEJO



Desejo

É neste ponto
das tuas coxas
que o meu pescoço
implora a forca

Mas dás-lhe o trono
da luz da sombra
num sorvedouro
de rosas roxas

Agreste gosto
de húmida polpa
o que dissolvo
dentro da boca

Eis num renovo
mágica força
rei me coroo
em tuas coxas

(palavras e ilustração de António Sem. Bem hajas, J.A.M!!!)

30.9.06

Ilusão





"Late Lament"
Breathe deep the gathering gloom
Watch lights fade from every room
Bedsitter people look back and lament
Another day's useless energy spent.
Impassioned lovers wrestle as one,
Lonely man cries for love and has none.
New mother picks up and suckles her son,
Senior citizens wish they were young.
Cold hearted orb that rules the night,
Removes the colors from our sight.
Red is grey and yellow white,
But we decide which is right.
And which is an illusion?

27.9.06

o segredo




- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

19.9.06

o sorriso...

"Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz lá dentro,
apetecia entrar nele,
tirar a roupa,
ficar nu dentro daquele sorriso.
Correr,
navegar,
morrer naquele sorriso."

(Eugénio de Andrade)

18.9.06

como um abraço... (contra...senso...)




nenhuma luz nos avisou

muros de silêncio derrubados
(pela vileza de uma voz
que afinal nos aproximou!)

agora sonhamos dois

estou permanentemente nos teus lábios e já chamo meus os teus olhos,

verdes de tanto te esperar

(posso permanecer no teu abraço?)

perdi-me ao entrar em ti e agora sou como tu:

procuro nos livros cujo mistério fica ao virar da página
(nunca viste nisto sinais de perigo?)

entro

abro-te os braços e também tu entras em mim, doce e sereno

pode fazer-se noite
pois é no brilho das estrelas mais tardias que passeamos de olhos nos olhos,
nos abraçamos
e somos
UM

8.9.06

Hoje... hoje escrevo para ti!

Minha alma!

(sorris sempre quando te falo a sério...)

Embriago-me do odor do teu pescoço
e o teu coração bate mais forte,
fazendo do teu tempo as minhas asas.

A ideia dos teus dedos
encosta-se ao meu peito,
intensa e tranquila,
qual abraço
com que me erguesses do chão.

Que mistério
posso contar-te
que tu não saibas já?

Se apertas as minhas mãos
fico completamente dentro de ti,
e adormeço.

Que mistério
posso contar-te
que tu não saibas já?

Minha alma!

13.7.06

O último abraço...



I.n.f.i.n.i.t.a.m.e.n.t.e

r.e.p.e.t.i.d.o.

e.t.e.r.n.a.m.e.n.t.e

a.m.a.r.g.o.

12.7.06

" Ao teu encontro - um olhar "

O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
porque não interroga nem se espanta...
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol
de modo a ele ficar mais belo.
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol...
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço.
Para não parecer que penso nisso...
(Alberto Caeiro)

11.7.06

N.U.A. de novo...


Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.


Olavo Bilac

6.7.06

Intimamente



(Alexandre O'Neill)

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser
que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.


Dreams
(by
Langston Hughes )

Hold fast to dreams
For if dreams die
Life is a broken-winged bird
That cannot fly.


Hold fast to dreams
For when dreams go
Life is a barren field
Frozen with snow

23.6.06

A poesia não tem pátria...






this

is how he is
in my landscape,

he.
(...impenetrably silent,
elusive,
man,
much warmer than the sun.)

lovelier than the night
and loving it,
with the skill of one

born to love forever.

10.6.06

O amor que sinto...



O amor que sinto
é um labirinto.

Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que não vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
Só assim me pinto
neste Amor que sinto.
Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".
E porque não minto
sou um labirinto.

(José Gomes Ferreira)

4.6.06

Desespero





Não eram meus os olhos que te olharam*Nem este corpo exausto que despi*Nem os lábios sedentos que poisaram*No mais secreto do que existe em ti*Não eram meus os dedos que tocaram*Tua falsa beleza, em que não vi*Mais que os vícios que um dia me geraram*E me perseguem desde que nasci*Não fui eu que te quis*E não sou eu*Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto*Possesso desta raiva que me deu*A grande solidão que de ti espero*A voz com que te chamo é o desencanto*E o espermen que te dou, o desespero. ****


José Carlos Ary dos Santos

8.5.06

N.u.a. (da cor da esperança)


Existe prazer em nos expormos
sem véus?
Existe fraqueza em distinguir
as cores da luz?
(existe ganância em não se entregar ás delícias
de um chorinho lamechas?)
Eis que de insensível,
se pode ser uma mulher transfigurar...
e ser... romântica!
Ou estar morta...
Ou ser nua...
E vibrar!
E sou eu AQUELA QUE VIVE,
100PENSAR!

5.5.06

Luz... da Lua...


Lembras-te de mim?
A plenitude do silêncio
reflecte sempre a luz que te acompanha.
Podes cerrar os olhos e descobrir-te!
Entre as areias finas no teu cabelo
e o desejo tenso dos teus dedos,
há apenas um sopro de verdade.
Se lhe tocares,
vai com o vento!
Resta-me ainda a sombra de um abraço...
Por isso, ou talvez não,
brota do lado escuro da ternura
o mesmo grito com que acordaste
nesse frio e pobre amanhecer.
Lembras-te...
de mim?

16.4.06

(Quem poderá dizer?)

....
....
....
....
"Though nothing can bring back the hour of splendour in the grass,of glory in the flower,we will grieve not,rather find strength in what remains behind."

....

....

....

....

ESPLENDOR NA RELVA
Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo, O Bosque Sagrado
(colectânea de poemas sobre cinema)



24.2.06

Regresso, ou talvez não


De tantas saudades,
a boca seca-se.
Os gritos são como as penas,
demoram a coroar a luz.
É sempre só para ti que eu escrevo.

A tua nudez impede-te
de olhar nos olhos a distância.
Abandona-te.
Sem pensar.




CANÇÃO

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
- mãe, dou-lho ou não?

(Eugénio de Andrade)

9.1.06

(Sempre um ombro...)


Sem palavras...

Afinal... era mesmo um sonho!!!

6.1.06

(Não digas nada...)


(Fernando Pessoa)


Não digas nada!


Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender
- Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

2.1.06

( Repouso... )



Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...

Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.



...



(Palavras - Fernando Pessoa / Imagem - Almada Negreiros)